Os cristãos novos e a figura do abafador

Meu avô era um cara cheio de histórias. Muito culto, na infância foi seminarista em Minas Gerais e rezava até em latim. Fugiu, atrás de vários rabos-de-saia. Foi gerente de cassino na época em que era permitido aqui no Brasil, e apertou a mão de muitos políticos. Já velho, não parou: virou escritor e historiador. Daí que não me cansava de ouvir sobre as centenas de “causos” da velha Minas Gerais. Hoje ele já não está mais por aqui, mas as histórias não morrem.

Funeral Judeu e Cristão

Ele me contou certa vez que os Reis D. Manoel de Portugal e D. Fernando da Espanha fizeram um conchavo no século XVI e combinaram expulsar os judeus que moravam em seus respectivos países, só permitindo a permanência daqueles que renunciassem sua religião e se convertessem ao cristianismo. Alguns não se submeteram e foram embora, outros porém, resolveram permanecer, fingindo se terem se convertido. E ficaram assim conhecidos como os cristãos novos.

No decorrer do ano de 1700, muitos destes cristãos novos imigraram para o Brasil e se estabeleceram basicamente na província de Minas Gerais à procura de melhor futuro e à cata do ouro. Eram negociantes, militares, advogados, médicos e trabalhadores do campo.

O historiador Augusto de Lima Jr., em seu Livro “Capitania de Minas Gerais“, descreve uma passagem na vida daqueles cristãos novos na zona do Carmo (hoje o município de Mariana) onde se localiza a sinistra figura do abafador:

“Quando um judeu disfarçado, ou seja, marrano, estava para morrer, a fim de evitar que no momento ele se revelasse adepto da lei de Moisés, comprometendo os demais, era logo chamado o abafador, isto é, um sujeito que tinha por missão estrangular habilmente o doente. Chamado o abafador, ele afastava do quarto do doente as pessoas da família, encostava a porta e começava a sinistra operação: punha o crucifixo nas mãos do doente, passava os braços pelas costas e aplicava o joelho contra o tórax do que devia de despachar para a santa glória. À medida que ia aumentando a compressão contra o peito do moribundo, asfixiando-o, ia dizendo, em voz alta, para ser ouvido de fora:

“Vamos, meu filho. Nosso Senhor está te esperando”.

Quando o paciente exalava o último suspiro, o abafador compunha o corpo, chamava as pessoas da família e lhes comunicava que o fulano havia morrido como um passarinho, suavemente. Começavam então as mulheres a gritar e a soluçar, dizendo das boas qualidades do morto. Eram judaicas carpideiras que dramatizavam com seus gritos e exageros, cenas de funerais, em Minas, em outros tempos, para não parecerem indiferente à morte do ente querido”

7 respostas para “Os cristãos novos e a figura do abafador”

  1. Um detalhe cuja veracidade não conheço, não consta dos livros de história, mas é contado há gerações na minha família:
    esses que fingiam abandonar a crença judaica para evitar a perseguição abandonaram também seus nomes de família, para que não fossem facilmente identificados. Conta a lenda que passaram a adotar nomes de árvores, daí a grande quantidade de Carvalhos, Pinheiros, Madureiras, Figueiras, Loureiros, Sobreiras, Gameleiras etc.

  2. Cathalá, na verdade isso não é uma simples lenda. É fato que os judeus tiveram que mudar seus sobrenomes. E na verdade os nomes adotados não restingem-se apenas às árvores, os sobrenomes de animais também são todos de familias judias que abandonaram seu passado para tentar fugir da perseguição. Dentre eles estão: lobo, coelho, e muitos outros.

  3. A lenda dos sobrenomes cristãos-novos se estabelece quando pensamos que APENAS eles adotaram os nomes de plantas e animais, o que é um equívoco. Ao serem forçados à conversão, no ano de 1497, em Portugal, tiveram rapidamente que mudar seus nomes e sobrenomes, apropriando-se assim, de sobrenomes de amigos e vizinhos (a convivência entre judeus e cristãos era cordial antes da Inquisição ibérica). Portanto, os Nogueira, Loureiros, Madureiras, Pereiras, Lobos e Coelhos, podem também ter origem cristã.
    Nos processos inquisitoriais (disponíveis no site da Torre do Tombo – ttonline.dgarq.gov.pt), encontramos cristãos-novos com diversos sobrenomes como Nunes, Almeida, Cruz, Cardoso, Homem, etc., e não uma grande maioria destes sobrenomes que evocam plantas e animais.
    Para melhor compreensão do assunto, sugiro o trabalho de Paulo Valadares e Guilherme Faiguenboim, Dicionário sefaradi de sobrenomes.

  4. Bom dia, sou brasileiro, mas meu pai, português que hoje conta 84 anos, há muito tempo me contou que o avô dele narrou-lhe que o bisavô do avô, portanto há muito tempo atrás, resolveu retirar o nome da família (segundo o meu pai, que ouviu a conversa quando ainda era criança – porque não gostava do nome), porém achei a explicação simplista demais, custa-me a acreditar que alguém abriria mão do nome da familia por não gostar dele. E considerando que o fato ocorreu há mais de 500 anos, pois foi o bisavô do avô de meu pai, acredito que talvez tenha sido por problemas religiosos (algum tipo de perseguição). O nome de família que foi tirado dos descendentes é Ramalhete e atualmente, em razão da retirada do nome o patronimico é Francisco. Poderia me informar se é de origem judia. É uma dúvida que me persegue há muito tempo, porém sem resposta infelizmente. Também não possuo nenhum documento referente ao nome, só o relato oral de meu pai, que ouviu ainda criança. Obrigado.

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