Visões do inferno

O trânsito pra mim é o inferno na terra. Se existe Deus de uma lado, do outro está o engarrafamento. A principal razão que me fez sair do Rio e morar em Brasília foi exatamente essa merda que me consumia. Bala perdida? Violência? Escracho? Tudo fichinha!

Hoje lavei a alma.

O túnel Rebouças, um buraco quente e fedorento que liga as zonas norte e sul do Rio, foi fechado devido a um deslizamento de terra pela chuva torrencial. Resultado? O trânsito na cidade parou, completamente. E EU NÃO ESTAVA LÁ!

Delizamento no Túnel Rebouças
Túnel Rebouças fechado

Tá! Tá! Sou um cara egoísta, a cidade ferrada e eu aqui de alma lavada. Nego morrendo e o escambau. Mas que se dane. Eu não estava lá! Passava todo dia neste buraco. Já esteve engarrafado por mais de uma hora dentro de um túnel? Eu já.

Engarrafamento na avenida Presidente Vargas
Avenida Presidente Vargas ferrada

E a melhor de todas: a maldita ponte Rio-Niterói. Entupida. Agonizante. E eu longe! A verdadeira visão do inferno. Sim, tenho pena da galera ali em cima. Mas e daí? EU NÃO ESTAVA LÁ!

Engarrafamento na Ponte Rio-Niterói
Ponte Rio-Niterói entupida

Fotos do O GLOBO, aqui e aqui.

Ah! Que saudades da AR-15, da AK-47, da 9 milímetros…

Quando viva no Rio, estive em situações peculiares ao bom carioca. Já fui assaltado uma penca de vezes, no carro, em casa, na rua, no ônibus. Até que certa vez me confundiram com o gerente de uma farmácia, enquanto comprava fraldas. Sem brincadeira, tentar argumentar com um trabuco na sua testa sem molhar as calças não é tarefa pra qualquer um. Antes mesmo do malandro enfiar o cano na minha cabeça, eu já sabia. Era uma pistola 9mm cano longo. Prateada. O som é seco e sem eco. Faz um estrago do cacete.

Eu já estava começando a me preocupar com este tipo de conhecimento específico adquirido.  Já sabia reconhecer a diferença do som de fogos, bombinhas, tiros de metralhadora, semi-automáticas, pistolas, granadas. Mesmo quando todos eles explodiam ao mesmo tempo, numa profusão de dedos nervoso.

Me senti um perfeito carioca ao ver a pesquisa elaborada pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, informando que nada menos do que 70% dos cariocas costumam ouvir, pelo menos às vezes, disparos de armas de fogo. Sendo que mais de 30% os ouvem sempre. E tem mais: a grande maioria reconhece até o tipo de arma utilizada.

Pombas! Isso lá é jeito de viver? Sabe quantas vezes ouvi um disparo nestes quase 12 meses que estou aqui em Brasília? Nenhuma. E quantas armas eu vi nas ruas fora das mãos de policiais? Nenhuma!

Não é que a violência não exista aqui no cerrado, nem tampouco tenha migrado para outro canto de mais fácil expansão. É que no Rio, a violência é atrofiante e claustrofóbica.

Fonte: Terra e BandNews

Massa com sopa, ou tudo junto no mesmo lugar

SopaEu adoro rodízio de massas. Sinto saudades até hoje dos finais de semana em que me acabava no Seven Grill, lá em Niterói, que na minha opinião sempre foi um dos melhores. Deixava depois o carro na garagem e ficava dando voltas intermináveis no quarteirão, à pé, até que conseguisse respirar com facilidade depois da digestão forçada. 

Nos rodízios, começava sempre na pizza, com um copo de chopp. Depois passava pelos infinitos sabores de macarrões, calzones, inhoques… e voltava para as pizzas, só que doces.

Cheguei no cerrado, e meu mundo desabou.

Cara, os rodízios de massa daqui servem também sopas (carinhosamente chamadas de caldos). Ora bolas! Se eu quisesse comer macarrão com sopa fazia um miojo em casa! E a única coisa que o garçons te servem à mesa é a pizza. O restante, te vira para pegar nos balcões.

Acho que estou muito mal-acostumado.

Mas, para quem tiver uma imaginação fértil, algumas combinações podem ser no mínimo extravagantes: pizza de calabresa com canja de galinha, macarrão ao molho branco com sopa de legumes, feijão com lasanha, sei lá! Quem se habilita?

Ajoelhou? Não tem jeito: reze!

Quando afirmo que aqui no cerrado a coisa é de maluco, tem neguim que me sacaneia. Dizem que o errado sou eu, vejam só! Eu nunca erro, no máximo cometo um pequeno equívoco.

Caro leitor, me acompanhe e ajude a entender. Minha filha, que tem treze anos, travou comigo o seguinte diálogo:

– Pai, minhas amigas estão fulas da vida comigo. Comentei com elas ontem que talvez a gente pudesse fazer o trabalho da escola aqui em casa hoje lá pela uma da tarde. Só que elas vieram nessa hora e ficaram esperando no portão um tempão e depois se mandaram, já que a gente não tava em casa. Pô… essas meninas tão malucas? Eu nem tinha confirmado nada!

Minha filha descobriu na prática um hábito tenebroso, que em nada se assemelha aos padrões cariocas de convivência pacífica e sem encheção de saco: aqui, basta marcar e o cara aparecer. Porra, fala sério!

Lá no Rio é comum a frase “aparece lá em casa tomar alguma coisa” mas sem a menor intenção de ficar na porta aguardando o malandro chegar. Normal. É quase que substituto do “tchau, até mais”.

Agora, sabem o que eu faço? Deixo claro que ligo para confirmar a combinação, se a tal realmente for acontecer. Já até me questionam: essa é uma combinação carioca ou de verdade?

E eu vou aguentando…